No Dia dos Mortos é comum encontrar pratos de comida diante de lápides de famílias japonesas. Será macumba, perguntam os brasileiros. A oferta de refeições aos mortos em cemitérios, hoje uma prática proibida no Japão, ainda é preservada na comunidade nipo-brasileira.
Nas Escrituras Budistas lê-se que um dia o monge Mokuren viu a mãe morta sofrendo de fome nas profundezas do inferno. A oferta de uma tigela de arroz ajudou a aliviar a dor dela. A tradição de oferecer comida e bebida aos mortos vem daí. A prática foi proibida pelo governo japonês, por atrair corvos aos cemitérios.
Os japoneses fazem suas ofertas não só diante de túmulos como também de santuários domésticos, conhecidos como hotokesama ou butsudan. Aos pioneiros imigrantes, o governo japonês recomendava não expor o hotokesama na sala de estar. A cautela era para que a diferença de crenças não chocasse os brasileiros. Por isto, o santuário era colocado no quarto de dormir. A clandestinidade favoreceu o ecumenismo. Assim, a maioria dos descendentes de japoneses no Brasil, além de batizados com nomes cristãos, aderiu ao catolicismo. Mas não esqueceu de prestar reverências aos ancestrais.
Hoje o culto aos ancestrais é disseminado nas corporações japonesas. Grandes empresas mantêm mausoléus para homenagear funcionários. São os monumentos empresariais, construídos pela Panasonic, Mitsubishi e Sony, entre outras, para cultuar os “soldados da empresa”. Segundo Hirochika Nakamaki, antropólogo do Museu Nacional de Etnologia da Universidade de Osaka, que estudou estes monumentos, começaram a ser erguidos a partir dos anos 50 no Monte Koya, no sul de Osaka, onde estão sepultados daimios (senhores feudais) históricos.
Diante de memoriais empresariais pede-se votos de prosperidade nos negócios, prevenção de acidentes de trabalho e reconhecimento da preferência do consumidor. As empresas japonesas mais conceituadas são as que criam e mantêm memoriais para funcionários.
Nakamaki diz que os memoriais são uma extensão de relações entre executivos e funcionários, que reproduzem laços entre daimios e samurais. Ele sustenta que as multinacionais nipônicas adotaram o modelo do clã feudal e adaptaram rituais religiosos em suas organizações para sobreviver no mundo dos negócios.
“Trazendo os santuários xintoístas, símbolo dos laços territoriais e os templos, dos laços sangúineos para as organizações, os daimios capitalistas transferiram os laços de sangue e territoriais para as empresas. Assim carregaram símbolos budistas e xintoístas com valores mercadológicos, inserindo aspectos religiosos no ambiente de trabalho para transferir sentimentos familiares aos funcionários”, diz Nakamaki.
No Japão
Os orientais não têm a mesma visão da morte que os ocidentais. A morte, tanto para chineses, japoneses, tibetanos e indianos, influenciados pela cultura budista, é ocasião de júbilo. O budista chora quando nasce uma criança e ri quando se vai um morto. Acreditam que morte é renascimento. Em vez de preto, usa branco para celebrar o luto.
O Dia dos Mortos no Japão é celebrado a 15 de agosto (O-bon). O-bon é uma festa budista em que é permitido aos espíritos mortos visitar as casas de familiares vivos para comemorar o encontro com eles. Acendem-se lanternas nas portas de entrada das casas para guiar os espíritos. No fim do festival acendem-se lanternas nos rios, de onde os fantasmas retornariam ao mundo sobrenatural, após visitar os parentes durante vários dias.
O mais antigo registro sobre a comemoração do O-bon é de 657 e faz parte da história da Rota da Seda. Na época, a cidade de Asuka (hoje uma vila da cidade de Nara) era pólo da efervescência política e cultural, povoada por chineses, coreanos e persas que faziam a rota da seda, entre Pequim e arredores.
A origem da palavra vem de rituais persas de crença dos zoroastros: uruvan (urabon, em japonês): campo de energia ligando vida e morte. O zoroastrismo atingiu o Japão através da Rota da Seda fundiu-se com festivais budistas, que se tornaram populares a partir do ano 538.
Em Tóquio o Dia dos Mortos ainda é celebrado em julho, mas em outros lugares é em agosto – sétimo mês do calendário lunar, ainda considerado pela agricultura tradicional como época de plantio e colheita. As danças japonesas conhecidas em festivais japoneses como Bon-odori são originárias dos rituais fúnebres. Uma das funções das danças é espantar os maus espíritos, que também são reanimados na época.
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